quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

PABLO NERUDA- REGRESSO A UNA CIUDAD



Antes de Amar-te...

Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono.



REGRESO A UNA CIUDAD

A qué he venido? les pregunto.

Quién soy en esta ciudad muerta?

No encuentro la calle ni el techo
de la loca que me quería.

Los cuervos, no hay duda, en las ramas,
el Monzón verde y furibundo,
el escupitajo escarlata
en las calles desmoronadas,
el aire espeso, pero dónde,
pero dónde estuve, quién fui?
No entiendo sino las cenizas.

El vendedor de betel mira
sin reconocer mis zapatos,
mi rostro recién resurrecto.
Tal vez su abuelo me diría:
<>, pero sucede
que se cayó mientras volaba,
se cayó al pozo de la muerte.

En tal edificio dormí
catorce meses y sus años,
escribí desdichas,
mordí
la inocencia de la amargura,
y ahora paso y no está la puerta:
la lluvia ha trabajado mucho.

Ahora me doy cuenta que he sido
no sólo un hombre sino varios
y que cuantas veces he muerto,
sin saber cómo he revivido,
como si cambiara de traje
me puse a vivir otra vida
y aquí me tienen sin que sepa
por qué no reconozco a nadie,
por qué nadie me reconoce,
si todos fallecieron aquí
y yo soy entre tanto olvido
un pájaro sobreviviente
o al revés la ciudad me mira
y sabe que yo soy un muerto.

Ando por bazares de seda
y por mercados miserables,
me cuesta creer que las calles
son las mismas, los ojos negros
duros como puntas de clavo
golpean contra mis miradas,
y la pálida Pagoda de Oro
con su inmóvil idolatría
ya no tiene ojos, ya no tiene
manos, ya no tiene fuego.

Adiós, calles sucias del tiempo,
adiós, adiós, amor perdido,
regreso al vino de mi casa,
regreso al amor de mi amada,
a lo que fui y a lo que soy,
agua y sol, tierras con manzanas,
meses con labios y con nombres,
regreso para no volver,
nunca más quiero equivocarme,
es peligroso caminar
hacia atrás porque de repente
es una cárcel el pasado.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

JORGE LUÍS BORGES

O escritor argentino Jorge Luís Borges morreu como um dos monstros sagrados da literatura universal. Deixou uma obra incomparável em língua espanhola, sobretudo pela capacidade inventiva e pelo poder de suas metáforas de transcendência filosófica. Nos seus últimos anos de vida, viajou incansavelmente pelo mundo com a esposa, Maria Kodama, ex-aluna e secretária particular. Passava no máximo dois ou três dias em cada lugar, não dando muita importância nem para a cegueira nem para a velhice. Um tigre.




Houve um tempo de tamanha angústia em que ansiara pela morte, e com tal sofreguidão que a certa altura afirmou que morrer para ele era a última esperança. Estava convicto disso. Um dos poemas feitos em sua homenagem, “Buenos Aires”, fala desse momento crucial: “...Debaixo da infelicidade a maior esperança:/ morrer/ quando as luzes se apagam/ e sob as sombras da lua/ não há quase nada”.

"Não criei personagens. Tudo o que escrevo é autobiográfico. Porém, não expresso minhas emoções diretamente, mas por meio de fábulas e símbolos. Nunca fiz confissões. Mas cada página que escrevi teve origem em minha emoção".

O escritor Jorge Luis Borges nasceu na capital argentina, Buenos Aires. Bilíngüe desde a sua infância, aprendeu a ler em inglês antes que em castelhano, por influência de sua avó materna de origem inglesa.

Aos seis anos disse a seu pai que queria ser escritor e aos sete escreveu, em inglês, um resumo de literatura grega. Aos oito, inspirado num episódio de "Dom Quixote" de Cervantes, fez seu primeiro conto: "La Visera Fatal". Aos nove anos, traduziu do inglês "O Príncipe Feliz" de Oscar Wilde.




INSTANTES

Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros.

Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.

Seria mais tolo ainda do que tenho sido, na verdade bem poucas coisas levaria a sério.

Seria menos higiênico.

Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.

Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.

Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da vida, claro que tive momentos de alegria.

Mas se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.

Porque, se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos, não percas o agora.

Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas. Se voltasse a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono.

Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.

Mas já viram, tenho oitenta e cinco anos e sei que estou morrendo.


A SEDUÇÃO DO TIGRE

Na infância pratiquei com fervor a adoração ao tigre; não o tigre cor de pêssego dos camalotes do Paraná e da confusão amazônica mas o tigre rajado, asiático, real, que só pode ser enfrentado pelos homens de guerra, encastelados sobre um elefante. Costumava demorar-me infindavelmente diante de uma das jaulas no Zoológico; apreciava as vastas enciclopédias e os livros de história natural pelo esplendor dos seus tigres. (Lembro-me ainda dessas figuras: eu que não posso recordar sem horror o rosto ou sorriso de uma mulher). A infância passou, caducaram os tigres, e a paixão por eles, mas eles ainda permanecem em meus sonhos. Nessa lembrança submersa ou caótica, continuam a prevalecer, e assim: adormecido, um sonho qualquer distrai-me e eu sei de imediato que é um sonho. Costumo então pensar: Este é um sonho, uma pura diversão de minha vontade e, já que tenho um poder ilimitado, vou produzir um tigre.

Oh incompetência! Meus sonhos nunca sabem engendrar a apetecida fera. Aparece o tigre, isso sim, mas dissecado e débil, ou com impuras variações de forma, ou bastante fugaz, ou tirante a cão e a pássaro.




A PROVA

Do outro lado da porta um homem deixa cair sua corrupção. Em vão elevará esta noite uma prece ao seu curioso deus, que é três, dois, um, e se dirá que é imortal. A gora ouve a profecia de sua morte e sabe que é um animal sentado.

És, irmão, esse homem. Agradeçamos os vermes e o esquecimento.

HINO

Esta manhã há no ar a incrível fragrância
das rosas do Paraíso.
Nas margens do Eufrates
Adão descobre a frescura da água.
Uma chuva de ouro cai do céu;
é o amor de Zeus.
Salta do mar um peixe
e um homem de Arigento recordará
ter sido esse peixe.
Na caverna cujo nome será Altamira
uma mão sem cara traça a curva
de um lombo de bisonte.
A lenta mão de Virgílio acaricia
a seda que trouxeram
do reino do Imperador Amarelo
as caravanas e as naves.
O primeiro rouxinol canta na Hungria.
Jesus vê na moeda o perfil de César.
Pitágoras revela a seus gregos
que a forma do tempo é a do círculo.
Numa ilha do Oceano
os cães de prata perseguem os cervos
de outro.
Numa bigorna forjam a espada
que será fiel a Sigurd.
Whitman canta em Manhattan.
Homero nasce em sete cidades.
Uma donzela acaba de aprisionar
o unicórnio branco.
Todo o passado volta como uma onda
e essas antigas coisas recorrem
porque a mulher te beijou.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

BRILHO DE UMA PAIXÃO-JOHN KEATS



Adorei o filme BRILHO DE UMA PAIXÃO que conta a curta vida do poeta inglês John Keats. Considerado um dos maiores nomes do romantismo na Inglaterra, Keats era belo e visceral, seus poemas sangram, latejam e o filme mostra bem o amor obsessivo do poeta por sua amada.



Sua obra divide-se entre as freqüentes referências à morte e um intenso sentimento de prazer com a vida. Influenciado pelos poetas gregos do período helênico, como Homero, bem como pelos poetas elizabetanos e ingleses do século XVI, persegue a perfeição estética. Sua poesia é marcada pelo sentimentalismo romântico, por imagens vibrantes, de grande apelo sensual, e pela expressão de aspectos da Filosofia clássica. Nasce em Londres. Fica órfão ainda criança e passa a ser criado em Edmonton por um tutor, que o transforma em aprendiz de cirurgião. Volta em 1814 para Londres, onde trabalha como assistente de cirurgia em dois hospitais. A partir de 1817, decide abandonar a Medicina e dedicar-se inteiramente à poesia. No mesmo ano publica seu primeiro livro, Poems , marcado por concepções ultra-românticas, mas não obtém sucesso. Em 1818, lança Endymion e inicia a produção de seu maior poema, Hyperion, que não chega a concluir devido aos primeiros sinais da tuberculose. Não obtém reconhecimento em vida, sendo cultuado apenas após sua morte, aos 26 anos.

Soneto

Quando fico a pensar poder deixar de ser antes que a minha pena haja tudo traçado, antes que em algum livro ainda possa colher dos grãos que semeei o fruto sazonado; quando vejo na noite os astros a brilhar - vasto e obscuro Universo, impenetrável mundo! - quando penso que nunca hei de poder traçar sua imagem com arte e em sentido profundo; quando sinto a fugaz beleza de alguma hora que não verei jamais – como doce miragem – turva-se a minha mente, e a alma em silêncio chora um impulsivo amor. E a sós, me sinto à margem do imenso mundo, e anseio imergir a alma em nada até que a glória e o amor me dêem a hora sonhada!

Trecho do poema "Endymion": trad. p. Augusto de Campos Endymion (trecho)

O que é belo há de ser eternamente
Uma alegria, e há de seguir presente.
Não morre; onde quer que a vida breve
Nos leve, há de nos dar um sono leve,
Cheio de sonhos e de calmo alento.
Assim, cabe tecer cada momento
Nessa grinalda que nos entretece
À terra, apesar da pouca messe
De nobres naturezas, das agruras,
Das nossas tristes aflições escuras,
Das duras dores. Sim, ainda que rara,
Alguma forma de beleza aclara
As névoas da alma.
O sol e a lua estão
Luzindo e há sempre uma árvore onde vão
Sombrear-se as ovelhas; cravos, cachos
De uvas num mundo verde; riachos
Que refrescam, e o bálsamo da aragem
Que ameniza o calor; musgo, folhagem,
Campos, aromas, flores, grãos, sementes,
E a grandeza do fim que aos imponentes
Mortos pensamos recobrir de glória,
E os contos encantados na memória:
Fonte sem fim dessa imortal bebida
Que vem do céus e alenta a nossa vida.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

ADÉLIA PRADO




TEMPO


A mim que desde a infância venho vindo
como se o meu destino
fosse o exato destino de uma estrela
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.
Vinte anos mais vinte é o que tenho,
mulher ocidental que se fosse homem
amaria chamar-se Eliud Jonathan.
Neste exato momento do dia vinte de julho
de mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.
Quarenta anos: não quero faca nem queijo. Quero a fome.

JANELA

Janela, palavra linda.
Janela é o bater das asas da borboleta amarela.
Abre pra fora as duas folhas de madeira à-toa pintada,
janela jeca, de azul.
Eu pulo você pra dentro e pra fora, monto a cavalo em você,
meu pé esbarra no chão.
Janela sobre o mundo aberta, por onde vi
o casamento da Anita esperando neném, a mãe
do Pedro Cisterna urinando na chuva, por onde vi
meu bem chegar de bicicleta e dizer a meu pai:
minhas intenções com sua filha são as melhores possíveis.
Ô janela com tramela, brincadeira de ladrão,
clarabóia na minha alma,
olho no meu coração.


DIREITOS HUMANOS


Sei que Deus mora em mim
como sua melhor casa.
sou sua paisagem,
sua retorta alquímica
e para sua alegria
seus dois olhos.
Mas esta letra é minha.

(Oráculos de Maio, p.73.)

sábado, 6 de novembro de 2010

BERTOLD BRECHT



Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.

Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.

Bertold Brecht

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

VARGAS LLOSA GANHA O NOBEL DE LITERATURA


Em mais de um século de existência, o Nobel premiou apenas 11 escritores de língua espanhola, desde que o dramaturgo espanhol José Echegaray y Eizaguirre (1832-1916) recebeu o prêmio, em 1904.

Ontem, a Academia Sueca corrigiu uma injustiça e finalmente lembrou do peruano Mario Vargas Llosa, que, aos 74 anos, vai receber o Nobel de Literatura por seis décadas dedicadas à literatura, carreira que começou com uma peça de teatro escrita aos 16 anos, La Huida Del Inca (A Fuga do Inca). Até mesmo Llosa demonstrou surpresa. "Achei que a Academia Sueca havia me esquecido", declarou ao ser notificado do prêmio. "Há muitos anos mencionou-se meu nome, mas não sabia se era sério ou não", disse Vargas Llosa, colaborador do Estado, de Nova York, onde dá aulas na Universidade de Princeton.


O escritor disse que o prêmio "é um reconhecimento à literatura da América Latina e da Espanha", revelando esperar que seus livros "tenham para os leitores uma importância comparável ao papel que Cervantes e Flaubert tiveram em minha vida". A Academia disse que concedeu o prêmio a Vargas Llosa por sua "cartografia das estruturas do poder e mordazes imagens da resistência, da rebelião e derrota do indivíduo". Llosa gostou da justificativa.

Vargas Llosa, que escreveu mais de 30 romances, peças de teatro e ensaios. Nascido em Arequipa, num vale de montanhas desérticas da cordilheira dos Andes, o escritor teve de migrar com a mãe divorciada para Cochabamba, Bolívia, onde Vargas Llosa concluiu seus estudos básicos. Só na volta ao Peru, em 1946, quanto tinha 10 anos, ele conheceu o pai, antes de ingressar num colégio militar.

Vargas Llosa tem o dom de transformar crônicas sobre a realidade peruana em fábulas morais, recorrendo a personagens que migram de um livro para o outro sem muita cerimônia, como o cabo Lituma, que saiu do romance A Casa Verde para se tornar o protagonista de Lituma nos Andes. Neste, o escritor critica o irracionalismo dos guerrilheiros do Sendero Luminoso, olhando para o medo instaurado nos povoados - seja por intimidação militar ou pelo misticismo rasteiro - como manifestação de uma mesma origem. A tradição mística dos países latinos ligada a rebelião política seria analisada em detalhes em seu livro A Guerra do Fim do Mundo (1980), épico em que exercita seu lado jornalístico com rigor, reavaliando a figura de Antonio Conselheiro e a campanha de Canudos, temas do clássico Os Sertões, de Euclides da Cunha.

Seu mais recente livro é Sabres e Utopias (Objetiva), em que critica o esquerdismo de colegas escritores e faz uma análise da política e da literatura latino-americana contemporânea.

domingo, 5 de setembro de 2010

POETA FERREIRA GULLAR LANÇA LIVRO, GANHA O PRÊMIO CAMÕES E COMPLETA 80 ANOS

Poeta lança 'Em Alguma Parte Alguma' na semana em que completa 80 anos.







Prestes a completar 80 anos, o poeta Ferreira Gullar, Prémio Camões 2010, está em plena forma e vitalidade ao comemorar o mês de aniversário com o lançamento do livro Em Alguma Parte Alguma.A obra encerra um jejum de onze anos do autor sem publicar poesias. Seu último livro no gênero foi "Muitas Vozes", de 1999.

O escritor disse discordar da ideia de que fazer poemas seja um ato doloroso. Para ele, o poeta pode até criar algo a partir da dor, mas sente prazer quando consegue transferi-la para o papel. "O poeta escreve para se livrar de uma emoção. Ninguém consegue ficar emocionado o tempo todo", disse.

De acordo com ele, esta dor é um elemento que ajuda o leitor a se identificar com o texto, já que ele reconhece um sentimento que também viveu transfigurado nos versos.

Em sua fala, Gullar se entusiasmou ao defender a ideia de que os poetas estão mais próximos da verdade. Para o escritor, ao contrário dos filósofos que precisam apresentar coerência em seu raciocínio, poetas têm liberdade para entrar em contradição o tempo todo, uma vez que seu compromisso é apenas com o que estão sentindo.

"O poeta não acredita na verdade com 'v' maiúsculo, ele sabe que o mundo é caótico e não tem explicação, por isto está mais receptivo a apreendê-lo tal como ele é", disse.

FRASE DE FERREIRA GULLAR : "EU NÃO QUERO TER RAZÃO, EU QUERO SE FELIZ"

Ferreira Gullar foi o vencedor do Prêmio Camões da edição 2010, a maior honraria das letras lusófonas. O prêmio, no valor de 100 mil euros, foi criado em conjunto por Brasil e Portugal em 1989, e homenageia um escritor a cada ano por sua obra.

O anúncio foi feito no dia 31 de agoto, em Lisboa, Portugal, pela ministra da Cultura daquele país, Gabriela Canavilhas.

Além de poeta, Gullar, que faz 80 anos no dia 10 de setembro, também é conhecido pela crítica de arte e dramaturgia. Ele ainda escreveu ensaios, crônicas, memórias e até ficções curtas. Sua obra “Poema sujo”, escrito no exílio em 1975 e publicado apenas em 1976, mistura lembranças da sua infância no Maranhão com questões políticas.

Em 2007, foi vencedor do Prêmio Jabuti. É também ganhador, pelo conjunto de sua obra, do Prêmio Machado de Assis, a maior honraria da Academia Brasileira de Letras.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE- 31/10/2011- 109 anos hoje.







OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.



PRECISA-SE DE UM AMIGO

Não precisa ser homem, basta ser humano, ter sentimentos.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem imprescindível, que seja de segunda mão.
Não é preciso que seja puro, ou todo impuro, mas não deve ser vulgar.
Pode já ter sido enganado ( todos os amigos são enganados).
Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários.
Deve gostar de crianças e lastimar aquelas que não puderam nascer.
Deve amar o próximo e respeitar a dor que todos levam consigo.
Tem que gostar de poesia, dos pássaros, do por do sol e do canto dos ventos.
E seu principal objetivo de ser o de ser amigo.
Precisa-se de um amigo que faça a vida valer a pena, não porque a vida é bela, mas por já se ter um amigo.
Precisa-se de um amigo que nos bata no ombro, sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo.
Precisa-se de um amigo para ter-se a consciência de que ainda se vive.


"Se procurar bem você acaba encontrando.
Não a explicação (duvidosa) da vida,
Mas a poesia (inexplicável) da vida".


AUSÊNCIA


Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.



CORTAR O TEMPO

Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente



AS SEM-RAZÕES DO AMOR


Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

ELISA LUCINDA - POETISA BRASILEIRA



AVISO DA LUA QUE MENSTRUA

Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.

Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia

Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita...

Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.

Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.

Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na "vera"
conheço cada uma, além de ser uma delas.

Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.

Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos...
Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a "cidade secreta"
a Atlântida perdida.

Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente.

Ela é uma cobra de avental.

Não despreze a meditação doméstica.

É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofia
cozinhando, costurando
e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!...

Você que não sabe onde está sua cueca?

Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.

E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.

São duas dignas vizinhas do mundo daqui!

O que você tem pra falar de vaca?

O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.

Vaca e galinha...
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.

Tá, não, homem.

Tá citando o princípio do mundo!



DA CHEGADA DO AMOR

Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.

Sempre quis uma amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.

Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.

Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.

Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.

Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexa
do pano de fundo dos seres
não assustasse.

Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.

Sempre quis uma amor
que não se chateasse
diante das diferenças.

Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.

Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.

Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.

Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.

Sem senãos.

Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.

Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.

Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.

Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.

Sempre quis um amor não omisso
e que suas estórias me contasse.

Ah, eu sempre quis um amor que amasse.

sábado, 17 de julho de 2010

POEMA INVICTUS PARA MANDELA-FELIZ ANIVERSÁRIO MADIBA!!!! 92 ANOS!!



Mandela ficou 27 anos preso por lutar contra o apartheid e, em 1994, foi eleito o primeiro presidente negro da África do Sul, à frente do CNA, cargo que exerceu até 1999. Também Prêmio Nobel da Paz, foi um dos incentivadores da Copa do Mundo da África do Sul 2010, que teve fim no domingo (11). Este poema foi seu amuleto durante os anos de cárcere.

"Madiba, Madiba, Madiba". Madiba é a forma carinhosa como Nelson Rolihlahla Mandela é chamado pelo povo sul-africano. Completa amanhã, dia 18/07, 92 anos.


Invictus - William Ernest Henley


Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll.
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.



TRADUÇÃO

"Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu - eterno e espesso,
A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por mi’alma insubjugável agradeço.


Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei - e ainda trago
Minha cabeça - embora em sangue - ereta.


Além deste oceano de lamúria,
Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.


Por ser estreita a senda - eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma."

sexta-feira, 18 de junho de 2010

MORRE JOSÉ SARAMAGO-18/06/2010



José Saramago

O escritor e prêmio Nobel português José Saramago, criador de uma narrativa crítica e reflexiva, com um forte caráter social, morreu nesta sexta-feira às 21h, em sua casa na ilha espanhola de Lanzarote aos 87 anos, por causa de uma leucemia crônica.O cineasta Fernando Meirelles, diretor do filme “Ensaio Sobre a Cegueira” (2008), baseado na obra homônima de José Saramago, disse que o mundo perde lucidez com a morte do autor.

Saramago já tinha mostrado seu potencial em Levantado do chão (1980), que retrata a vida de privações da população pobre do Alentejo, explorada por latifundiários e pelo clero conservador, do final do século 19 à Revolução dos Cravos. Seguem-se a Memorial do Convento três romances fundamentais, que consagram definitivamente o escritor: O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), A Jangada de Pedra (1986) e História do Cerco de Lisboa (1989). Ensaio sobre a Cegueira, que resultou no filme Blindness.“Definitivamente, hoje o mundo se tornou ainda mais burro e cego”, ressaltou Meirelles em comunicado.

FRASES DE SARAMAGO


"Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, nao vamos a parte nenhuma".


"Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar".


"Se tens um coração de ferro, bom proveito.
O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia".


"Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é so um dia mais".


"Não sou um ateu total, todos os dias tento encontrar um sinal de Deus, mas infelizmente não o encontro".


"Dirão, em som, as coisas que, calados,no silêncio dos olhos confessamos?"


"Para temperamentos nostálgicos, em geral quebradiços, pouco flexíveis, viver sozinho é um duríssimo castigo".


"Não tenhamos pressa,mas não percamos tempo".


"De que adianta falar de motivos, às vezes basta um só, às vezes nem juntando todos".


"O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas".


"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara".

"Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos".


"O espelho e os sonhos são coisas semelhantes, é como a imagem do homem diante de si próprio".


"Cada dia traz sua alegria e sua pena, e também sua lição proveitosa".

"Sempre chega a hora em que descobrimos que sabíamos muito mais do que antes julgávamos".


"Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória".

"Mesmo que a rota da minha vida me conduza a uma estrela, nem por isso fui dispensado de percorrer os caminhos do mundo".

"Os lugares-comuns, as frases feitas, os bordões, os narizes-de-cera, as sentenças de almanaque, os rifões e provébios, tudo pode aparecer como novidade, a questão está só em saber manejar adequadamente as palavras que estejam antes e depois".


"O talento ou acaso não escolhem, para manisfestar-se, nem dias nem lugares".


"Quem acredita levianamente tem um coração leviano".


"Há ocasiões que é mil vezes preferível fazer de menos que fazer de mais, entrega-se o assuntto ao governamento da sensibilidade, ela, melhor que a inteligência racional, saberá proceder segundo o que mais convenha à perfeição dos instantes seguintes".

José Saramago

sexta-feira, 21 de maio de 2010

MARCEL PROUST



"Tentamos achar nas coisas, que por isso são preciosas, o reflexo que nossa alma projetou sobre elas, e desiludimo-nos ao verificar que as coisas parecem desprovidas, na natureza, do encanto que deviam, em nosso pensamento, à vizinhança de certas ideias; e muitas vezes convertemos todas as forças dessa alma em habilidade, em esplendor, para influir em seres que situados fora de nós e que jamais alcançaremos".


"Para quem ama, não será a ausência a mais certa, a mais eficaz, a mais intensa, a mais indestrutível, a mais fiel das presenças?"

Em Busca do Tempo Perdido

quinta-feira, 13 de maio de 2010

MANUEL BANDEIRA







ARTE DE AMAR


Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.


As almas são incomunicáveis.


Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.


Porque os corpos se entendem, mas as almas não.




"...o sol tão claro lá fora,
o sol tão claro, Esmeralda,
e em minhalma — anoitecendo."





Andorinha, andorinha lá fora esta cantando:
-Passei o dia a-toa, a-toa.
Andorinha minha canção é mais triste:
-Passei a vida a-toa, a-toa.´´




A ESTRELA

Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia





RIA, ROSA, RIA
A Guimarães Rosa



Acaba a Alegria
Dizendo-nos: - Ria!
Velha companheira,
Boa conselheira!


Por isso me rio
De mim para mim.
Rio, rio, rio!
E digo-lhes: - Ria,
Rosa, noite e dia!
No calor, no frio,
Ria, ria! Ria,
Como lhe aconselha
Essa doce velha
Cheirando a alecrim,
A alegre Alegria!





ORAÇÃO PARA AVIADORES


Santa Clara, clareai
Estes ares.
Dai-nos ventos regulares,
de feição.
Estes mares, estes ares
Clareai.


Santa Clara, dai-nos sol.
Se baixar a cerração,
Alumiai
Meus olhos na cerração.
Estes montes e horizontes
Clareai.


Santa Clara, no mau tempo
Sustentai
Nossas asas.
A salvo de árvores, casas,
E penedos, nossas asas
Governai.


Santa Clara, clareai.
Afastai
Todo risco.
Por amor de S. Francisco,
Vosso mestre, nosso pai,
Santa Clara, todo risco
Dissipai.


Santa Clara, clareai.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

sábado, 20 de março de 2010

DOCUMENTÁRIO - MULHERES DO BRASIL


Jornal O Globo- Coluna do Ancelmo Gois - hoje - 20 de março/2010:

"MULHERES DO BRASIL" -

As cinco biografias de mulheres brasileiras escritas por Ana Arruda Callado vão virar documentário, são elas : Dona Maria José Barbosa Lima Sobrinho, Adalgisa Nery,Jenny Pimentel de Borba, Maria Martins e Lygia Maria Lessa Bastos. Uma parceria com a MULTIPRESS ( Jorge Mansur) e Z&L COMUNICAÇÃO ( Jô A.Ramos).

domingo, 14 de março de 2010

DIA NACIONAL DA POESIA



JOÃO CABRAL DE MELO NETO

Tecendo a Manhã


Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.



E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

domingo, 7 de março de 2010

FERREIRA GULLAR



MADRUGADA

Do fundo de meu quarto, do fundo
de meu corpo
clandestino
ouço (não vejo) ouço
crescer no osso e no músculo da noite
a noite

a noite ocidental obscenamente acesa
sobre meu país dividido em classes



Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?


BARULHO

Todo poema é feito de ar
apenas:
a mão do poeta
não rasga a madeira
não fere
o metal
a pedra
não tinge de azul
os dedos
quando escreve manhã
ou brisa
ou blusa
de mulher.
.

O poema
é sem matéria palpável
tudo
o que há nele
é barulho
quando rumoreja
ao sopro da leitura.

MEU POVO, MEU POEMA

Meu povo e meu poema crescem juntos
como cresce no fruto
a árvore nova

No povo meu poema vai nascendo
como no canavial
nasce verde o açúcar

No povo meu poema está maduro
como o sol
na garganta do futuro

Meu povo em meu poema
se reflete
como a espiga se funde em terra fértil

Ao povo seu poema aqui devolvo
menos como quem canta
do que planta

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

VINÍCIUS DE MORAES


A um jovem poeta

O almoço que tivemos outro dia, meu caro Jovem Poeta – e três poetas éramos nós em três idades da existência tão importantes como os trinta, os quarenta e os cinqüenta -, deixou-me triste. Triste porque o seu descaminho, a sua angústia, a sua neura são sintomáticos de uma luta inglória. Você, que ainda é puro e sabe o quão fundamental é ela para a sua aventura de poeta, fica irado contra os outros, ao sentir que a sua presente agressividade é fruto de um complexo de culpa. É você, não os outros, quem está em crise. E se os outros também o estiverem, razão a mais para você afirmar-se em sua luta, que é a luta de todo poeta, para ajudá-lo a sair dela. Pois você não auxiliará ninguém, muito menos a si mesmo, se seu coração não estiver limpo de ressentimento e sua luta contra "o outro" não for constante. "O outro", não preciso dizer, é você próprio.

É o súcubo que, todos, temos dentro de nós; o ser calhorda, comprável com a moeda da mentira e da lisonja, que de repente adota a gratuidade como norma, por isso que a paixão é mais insaciável que o infinito aberto em cima. E a paixão não se vende nunca.

Cada poeta é uma coisa em si, mas todos os poetas devem o mesmo à Poesia: a própria vida. Há, o poeta, que queimar-se e causar sempre mal-estar aos que não se queimam. Há que ser o grande ferido, o grande inconformado, o grande pródigo. Há que viver em pranto por dentro e por fora, de alegria ou de sofrimento, e nunca dizer "não" a ninguém, nem mesmo àqueles que optaram pelo não chorar. Há que também não ter o pejo do ridículo, da intriga ou da risota alheia. Quando Gide, ao ver Verlaine bêbado e maltratado, numa rua de Paris, por um grupo de jovens que o perseguiam e caçoavam com empurrões e doestos, contrariou voluntariamente o impulso de socorrê-lo preferindo deixá-lo entregue a um destino que sabia já traçado – que grande página deixou de escrever sobre a covardia humana, sobre o mal da disponibilidade e a tristeza do egoísmo! Veriaine, o pobre Verlaine, talvez dentre os poetas o que mais amou e sofreu...

Você meu caro Jovem Poeta, que foi dotado de talento e de beleza, não tem o direito de negar-se ao seu martírio. Só ele pode tornar a sua poesia emocionante. Só ele pode salvá-lo do formalismo em que caem os que se recusam a estar sempre despertos. É preciso que todos vejam a luz que seu coração transverbera, mesmo coberto por bons panos. Não negue o seu olhar de poeta aos homens que precisam dele, mesmo tendo o pudor de confessá-lo. Abra a sua camisa e saia para o grande encontro!


Tomara

Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho

Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz

E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...

Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...


A cidade em progresso

A cidade mudou. Partiu para o futuro
Entre semoventes abstratos
Transpondo na manhã o imarcescível muro
Da manhã na asa dos DC-4s

Comeu colinas, comeu templos, comeu mar
Fez-se empreiteira de pombais
De onde se vêem partir e para onde se vêem voltar
Pombas paraestatais.

Alargou os quadris na gravidez urbana
Teve desejos de cúmulos
Viu se povoarem seus latifúndios em Copacabana
De casa, e logo além, de túmulos.

E sorriu, apesar da arquitetura teuta
Do bélico Ministério
Como quem diz: Eu só sou a hermeneuta
Dos códices do mistério...

E com uma indignação quem sabe prematura
Fez erigir do chão
Os ritmos da superestrutura
De Lúcio, Niemeyer e Leão.

E estendeu ao sol as longas panturrilhas
De entontecente cor
Vendo o vento eriçar a epiderme das ilhas
Filhas do Governador.

Não cresceu? Cresceu muito! Em grandeza e miséria
Em graça e disenteria
Deu franquia especial à doença venérea
E à alta quinquilharia.

Tornou-se grande, sórdida, ó cidade
Do meu amor maior!
Deixa-me amar-te assim, na claridade
Vibrante de calor!