terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Ana Cristina César - A Ponto de Partir



Ana Cristina Cruz César, nasceu no Rio de Janeiro em 2 de junho de 1952, tendo, desde cedo, demonstrado talento e gosto pela arte de escrever. Já em 1959, tinha as primeiras poesias publicadas no “Suplemento Literário” da “Tribuna da Imprensa”. Foi Licenciada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 1975, obtendo o grau de Mestre em Comunicação, pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1979 e Master of Arts in Theory and Practice of Literary Translation, pela Essex University, na Inglaterra em 1980.



Além de suas inumeráveis poesias e cartas, escreveu para diversos jornais e revistas e traduziu diversos autores estrangeiros. Suicidou-se em 29 de outubro de 1983, aos 31 anos. Viveu entre Niterói, Copacabana e Londres onde residiu por algum tempo.

FEVEREIRO

Quando desisto é que surges

quando ruges é que caio.

Quando desmaio é que corres

quando desmaio me acho

quando calo me curas

e se te misturo me perco

(assobia!)
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Noite Carioca

Diálogo de surdos, não: amistoso no frio.
Atravanco na contramão. Suspiros no
contrafluxo. Te apresento a mulher mais discreta
do mundo: essa que não tem nenhum segredo.
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é muito claro
amor
bateu
para ficar
nesta varanda descoberta
a anoitecer sobre a cidade
em construção
sobre a pequena constrição
no teu peito
angústia de felicidade
luzes de automóveis
riscando o tempo
canteiros de obras
em repouso
recuo súbito da trama
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O Homem Público N. 1 (Antologia)




Tarde aprendi
bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.

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Fagulha



Abri curiosa
o céu.
Assim, afastando de leve as cortinas.

Eu queria entrar,
coração ante coração,
inteiriça
ou pelo menos mover-me um pouco,
com aquela parcimônia que caracterizava
as agitações me chamando

Eu queria até mesmo
saber ver,
e num movimento redondo
como as ondas
que me circundavam, invisíveis,
abraçar com as retinas
cada pedacinho de matéria viva.

Eu queria
(só)
perceber o invislumbrável
no levíssimo que sobrevoava.

Eu queria
apanhar uma braçada
do infinito em luz que a mim se misturava.

Eu queria
captar o impercebido
nos momentos mínimos do espaço
nu e cheio

Eu queria
ao menos manter descerradas as cortinas
na impossibilidade de tangê-las

Eu não sabia
que virar pelo avesso
era uma experiência mortal.
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A Ponto de Partir



A ponto de
partir, já sei
que nossos olhos
sorriam para sempre
na distância.
Parece pouco?
Chão de sal grosso, e ouro que se racha.
A ponto de partir, já sei que nossos olhos sorriem na distância.
Lentes escuríssimas sob os pilotis.

Um comentário:

  1. Donzelas do Apocalipse

    Sem pai, sem mãe,
    Sem leite materno...

    Seu estômago vazio
    Pediu por comida:
    Com uma arma carregada
    Roubou uma vida.

    Escondia-se na escuridão,
    Disfarçava-se na luz.
    Foi a uma igreja...
    Rezar, pedir perdão?
    Não! Para roubar um pedaço de pão.

    O mundo o condenou.
    Amor e carinho
    Jamais encontrou.

    A sociedade o execrou,
    A margem da vida o adotou.
    Foi condenado a percorrer
    Um longo e tortuoso caminho:
    O seu exílio.

    Mas, não estava só!
    De ambos os lados,
    Lindas e afrodisíacas donzelas
    O seguiam:

    A angústia e a fome
    A solidão e a morte.

    Do livro (O ANJO E A TEMPESTADE) de Agamenon Troyan.

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